Mundo Lá de Fora
Brincar no exterior: o desafio da rua e da natureza
Brincar e ser ativo é um comportamento ancestral que pode ser observado no comportamento animal e humano. Brincar é treinar para o inesperado, o incerto e imprevisível. Brincar promove a capacidade de adaptação motora, regulação emocional, capacidade de resolução de problemas complexos, pensamento crítico, relação social e sentimento de si. Brincar em casa, na escola, na rua e em contato com a natureza é um processo fundamental no desenvolvimento humano, considerando que somos a espécie animal com a infância mais longa de todas. Brincar lá fora (outdoor), tornou-se uma situação fundamental para fornecer às crianças e jovens experiências de descoberta e aventura necessárias à criação de estilos de vida saudável ao longo da vida. Brincar não pode ser um comportamento secundário ou opcional, mas um comportamento fundamental na vida quotidiana nas primeiras idades.
Os pais deveriam disponibilizar mais tempo para brincarem com os filhos. Muito tempo de trabalho, muito tempo das crianças na escola e pouco tempo passado em família, não é solução para combater o sedentarismo, o stress, a situação de cansaço e de fadiga que nos encontramos. Viver à pressa não é solução e quem paga por isso são as crianças. Também a superproteção e o medo sobre os riscos e as situações desafiantes que o brincar promove, devem ser consciencializadas pelos pais no sentido de permitir mais liberdade, autonomia e participação.
Mesmo que todos os estudos demonstrem que as crianças brincam preferencialmente dentro de casa, mas gostariam de o fazer com mais frequência no exterior, o problema não é da exclusiva responsabilidade dos pais. Os municípios deveriam desenvolver capacidades e estruturas em termos de meios materiais e recursos humanos relacionados com o objetivo de promover o jogo e a aventura na rua e na natureza. Devolver a rua às crianças é um objetivo prioritário de saúde pública para combater a iliteracia motora, o sedentarismo e aumentar a mobilidade autónoma entre a casa, a escola e a comunidade.
Mais margem de risco no jogo e desenvolvimento motor fora de casa depende de uma estratégia de planeamento urbano centrado na compreensão das necessidades de mobilidade das crianças e jovens.
Em muitas cidades do mundo esta é uma questão central nas políticas de intervenção sobre o planeamento dos espaços pedestres, espaços de jogo e espaços verdes junto às habitações, escolas e lugares públicos. A autonomia de mobilidade na cidade depende de um conjunto de circunstâncias de organização adequada do espaço físico com qualidade e segurança. As ruas livres de trânsito, o acesso mais fácil a espaços e equipamentos de jogo, os projetos de animação lúdica e desportiva com especialistas bem formados são apenas alguns exemplos que ainda não se encontram desenvolvidos em Portugal.
Por outro lado, os pais devem também participar ativamente em projetos comunitários para a promoção de oportunidades de jogo para os seus filhos. Está ainda por criar em Portugal o conceito de “espaço de aventura” para crianças, em que seja possível serem elas a criar o seu próprio espaço de jogo. Acrescente-se, ainda, a necessidade de mais informação junto aos pais sobre formas de interação lúdica e desportiva com os filhos, bem como de locais e experiências existentes na promoção da cultura lúdica nas primeiras idades. Os pais devem também ser alertados a tomarem consciência de como frequentemente têm tendência a controlarem e manipularem as energias dos filhos para níveis inadequados de expressividade infantil. A identidade da infância não é compatível com uma ideia de um intelecto ativo num corpo passivo. Penso que uma maior margem de risco em exploração e descoberta (jogo e aventura corporal) é o melhor caminho para mais segurança e resistência (resiliência?) aos fenómenos de marginalidade e risco social na infância e adolescência.
Carlos Neto, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa
Brincar na Rua!
O projecto Vamos Brincar na Rua foi criado por três mães residentes em Alvalade que pretendem promover a brincadeira de rua de forma não estruturada e autónoma e retomar o espírito de comunidade que se vivia em Alvalade há poucas gerações.
Este projecto tem a parceria fundamental da Junta de Freguesia de Alvalade, nomeadamente dos Pelouros de Educação e Juventude e Atividade Física e Desporto.
Com os actuais níveis de sedentarismo elevados, o uso excessivo de ecrãs e a proliferação de actividades estruturadas que limitam um desenvolvimento emocional e cognitivo adequados, é objectivo deste projecto inverter esta tendência que cada vez mais crianças vivem.
A brincadeira livre é essencial para o desenvolvimento. É urgente que as crianças possam sair de casa e brincar na rua, para que consigam adquirir competências de:
– Desenvolvimento físico – Não há melhor forma de fazer exercício do que a brincar. Correr, saltar e trepar são das melhores maneiras de exercitar o corpo e de desenvolver a motricidade global, combatendo o sedentarismo e os efeitos tão nocivos que representa. Da mesma forma, estar ao ar livre beneficia a imunidade, já que está comprovado que há grandes benefícios imunitários em estar ao ar livre e em contacto com os elementos naturais como a terra, areia, relva e água. É essencial que as crianças não vivam em ambientes híper-higienizados já que tal prejudica a competência do seu sistema imunitário, bem como aumenta, entre outras coisas, a probabilidade de desenvolver alergias;
– Desenvolvimento emocional – Brincando com outras crianças na rua, desenvolvem-se capacidades essenciais como o respeito, entre-ajuda, auto-regulação, resolução de conflitos e de problemas. Correr riscos e resolver situações inesperadas são decisivos na construção da autonomia e da auto-confiança.
– Desenvolvimento cognitivo – A criatividade, a capacidade de planear e executar uma actividade, o exercício da lógica e da matemática advêm da exploração do espaço exterior e dos jogos desenvolvidos pelas crianças.
Muitas vezes, a preocupação dos pais é a segurança dos seus filhos, especialmente se se magoam ou correm o risco de ser raptados. É importante lembrar que as crianças se magoam a brincar e que isso é fundamental para o seu desenvolvimento. Convém também referir que vivemos num dos países mais seguros do mundo e que a probabilidade de ocorrer um rapto por um desconhecido é muito baixa.
De qualquer forma, um grupo de crianças a brincar na rua torna-se mais seguro para cada uma delas e incomparavelmente mais agradável do que brincar sozinho.
É importante também, como referido anteriormente, retomar o espírito de comunidade, em que as pessoas que vivem próximas das outras se conhecem, conhecem as crianças e as famílias se ajudam mutuamente. Se a criança estiver integrada na comunidade de que faz parte, facilmente pede apoio se necessitar e tem um sentimento de pertença importantíssimo para o seu bem-estar.
Para conseguir que as crianças voltem a brincar na rua e para restabelecer as relações da comunidade, o Vamos Brincar na Rua organiza mensalmente encontros para que as crianças brinquem na rua e os adultos possam conhecer-se e estabelecer relação.
Assim, estão planeados os seguintes encontros, aos domingos, das 10:00 às 13:00:
- 7 de Julho – Avenida Frei Miguel Contreiras
- 4 de Agosto – Bairro de São Miguel
- 1 de Setembro – Avenida Dom Rodrigo da Cunha
- 13 de Outubro – Alameda da Cidade Universitária
Está, também, planeado um encontro no dia 26 de Junho, quarta-feira, pelas 17:00 mesmo aqui ao lado da escola. Consultem aqui mais informação: https://www.facebook.com/events/470958996994653/
Lanço-vos, então, um desafio: venham a um destes encontros e observem os vossos filhos a brincarem e a serem felizes com a oportunidade de explorar a rua em liberdade com outras crianças. Os meus filhos (e os vossos) agradecem!
Para qualquer questão e mais informações: vamosbrincarnaruapt@gmail.com
https://vamosbrincarnarua.pt
https://www.facebook.com/brincarnaruaemportugal/
Ana Passos e Sousa, mãe do Vasco Lapa, 1ºB